terça-feira, 15 de agosto de 2017

Minha depressão pós-parto

Em Abril de 2016 eu descobri que estava grávida.
Não foi uma gravidez planejada. Aos 15 anos ouvi de um médico que por ter ovários policísticos teria que fazer tratamento com anticoncepcional e que dificilmente eu engravidaria sem tratamento para tal. Estava tomando anticoncepcional e estava com outros planos. Passado o susto a ficha caiu...estava gravida!
Nesse ponto, é importante descrever como era minha vida até então: trabalhava 12 horas por dia, saía com amigos de diferentes turmas ao menos uma vez por semana, fazia academia (e gostava…muito!), adorava comprar roupas. Além disso, costumava dizer que era uma vida pautada em planejar a viagem anual de férias.
Depois de descobrir a gravidez, a minha vida permaneceu quase assim. Parei a academia (o sono não me permitia) e cortei o álcool. Mas segui firme e forte no trabalho (andando de moto), ate uma semana antes do parto. Nunca tive um enjoo sequer.
Li os livros indicados para “encantar o bebê”, tinha certeza que estava tudo entendido e que eu conseguiria compreendê-lo, afinal bastava “classificá-lo”e seguir as instruçōes.
No dia 24 de novembro de 2015, nasceu a Valentina. Ás 2 da manhã, depois de 5 horas de trabalho de parto, ela chegou por um parto normal, assim como eu havia planejado. 

E, a partir daquele momento, a minha vida se resumiu em uma única sensação: medo.
Primeiro o medo de sair da maternidade e voltar para casa, que me levou a uma crise de choro já no estacionamento. Ao olhar para o meu bebê pequena e indefesa ali na cadeirinha eu queria apenas desaparecer.
Nao tive nem de perto a sensação do “maior amor do mundo”, as lágrimas não foram de emoção, foram de desespero. Eu só pensava que aquela vida que eu tinha antes, jamais voltaria.
Numa sexta-feira calorosa e ensolarada viemos para casa, nem minha casa que eu adorava tanto parecia me acolher. Eu sequer sabia onde ficar dentro dela.
Nos dois dias que se seguiram, minha mãe ficou comigo, fazendo comida e dando apoio. Valentina pegou o peito já na maternidade direitinho, nunca tive uma fissura sequer, nada. Ela dormia boa parte do tempo, mas obviamente chorava em alguns momentos. Principalmente à noite. É nós simplesmente não fazíamos idéia de como acalmá-la (isso não vem nos livros). Balançava, acolhia e nada. Fazia o shhhhhh, charutinho e em algum momento ela acabava adormecendo. E eu não dormia, preocupada com a hora em que ela acordaria e eu não saberia o que fazer com ela. Dizia o livro que ela devia comer, depois fazer alguma atividade e depois dormiria, então eu teria um tempo pra mim. Mas que raio de atividade se faz com um bebê de 5 dias????
No 5o dia de vida dela fomos ao pediatra, a avaliação foi: engordou X gramas, está bom. Mas poderia estar melhor.
Pronto! Aquilo basicamente, me destruiu. A amamentação passou a ser um martírio: Valentina ficava uma hora e meia no peito e o médico dizia que ela deveria ficar no máximo 40 min. O mesmo dizia que ela devia sair desmaiado depois de mamar, isso NUNCA aconteceu até hoje…e eu me sentia um ET em forma de mãe. Uma amiga descreveu perfeitamente: foi como um homem ouvir que é brocha.
Depois disso, foi ladeira abaixo. Meu namorado perguntava se ela tinha mamado bastante, eu chorava porque não tinha a menor idéia. Minha mãe sugeria a mamadeira, eu chorava porque nunca tinha visto um bebê de um mês ter que tomar fórmula. Tomei e comi absolutamente tudo que diziam aumentar a produção de leite: nada funcionou. E com isso, parti mesmo para a mamadeira, meu primeiro atestado de incapacidade, como eu pensava na época.
Os dias se passavam, todos iguais. Minha mãe vinha e ficava comigo umas 3 horas, fazia o almoço, arrumava a casa e me dava um tempo para tomar banho e comer.
O resto do dia era uma solidão sem fim, sentada no sofá eu esperava ela acordar, dava de mamar e rezava para ela dormir de novo. Por medo de que ela chorasse, eu não saía de casa. Pelo mesmo motivo, eu não queria receber ninguém.
As noites eram uma tortura: geladas e solitárias, amamentando sozinha no quarto dela e vendo a vida dos outros em plena atividade na internet. As pessoas na academia, no happy hour, nos lugares que faziam parte da minha vida de antes.
Quando meu namorado ficava com ela, eu tomava um banho mais demorado e desatava a chorar.
Até hoje tenho escrito num caderninho ao lado da minha cama: 22 dias de medo. Era minha sensação depois de quase um mês.
Eu praticamente não tenho nenhuma lembrança boa desse primeiro mês, infelizmente.
Eu estava em transe e não entendia porque.
Foi então que aceitei que uma amiga fosse em casa para que eu pudesse me distrair um pouco eu praticamente só chorei, contei a ela da minha tristeza, da minha solidão e, por que não dizer, da minha decepção com tudo aquilo. De como eu queria desaparecer, ir embora e voltar daqui um ano, de como eu queria voltar a ter a minha vida tão boa de antes.
Nesse mesmo momento eu passei a ir para a casa da minha mãe alguns dias da semana. Lá eu me sentia melhor, ela me acompanhava dia e noite, acordava comigo nas madrugadas, cuidava de mim. Sempre voltava pra casa angustiada, cada vez mais.
Aos domingos, sabendo que no dia seguinte estaria sozinha, me faltava o ar, meu coração parecia que estava esmagado. Vieram as cólicas, mais desespero, mais choro. Os finais de tarde eram assustadores, me lembro de um em que ela chorava e eu rezava na lavandeira, pedia a Deus que me ajudasse, que me tirasse daquela situação. 
Depois de quase 2 meses nessa rotina, eu não conseguia  mais respirar, contava os minutos para meu namorado chegar do trabalho desde a hora em que ele saía de manhã.
A essa altura, minha mãe ficava quase todo dia em casa, só conseguia me sentir melhor  com ela lá. Ainda assim, ela saía para ir ao supermercado, eu ficava apavorada.
Praticamente, eu não tinha nenhum momento de felicidade, só conseguia sentir tristeza. Valentina crescia bem, saudável e eu não conseguia aproveitar nada.
Me lembro de um domingo, quando fomos a um churrasco na casa da minha mãe e eu não conseguia sequer conversar. Estava apática, hipnotizada por essa sensação horrorosa de medo. Me preocupava que ela chorasse, que ela estivesse sofrendo por algum motivo e eu sentia que precisava estar com ela o tempo todo para evitar isso.
Tentei me desgrudar da minha mãe e passei uma semana sozinha, sem que ela viesse em casa e eu tive uma crise, entrei em pânico, passei horas chorando e, de fato, achei que ia morrer. O único pensamento que eu tinha era: se eu sumir, sera que minha mãe cuida da minha filha? Talvez seja até melhor para ela pois não teria que conviver com uma mãe assim.
E enfim procurei ajuda e falei tudo o que sentia pro meu obstetra que confirmou o diagnóstico: depressão pós-parto.
Ele me explicou que isso era uma doença e que, como toda doença, precisa ser tratada com remédios. Disse ainda que essa crise foi resultado de uma queda brusca hormonal somada à uma cobraça muito forte comigo mesma, uma gravidez não planejada e uma expectativa muito alta (e, obviamente, nāo atingida).
Porém, a orientação mais importante que recebi foi: faça apenas o que tem vontade. Analisando hoje, acho que poucas vezes fiz só o que tinha vontade, isso porque o que os outros pensariam era uma preocupação constante na minha vida.
E assim, aos poucos e bem devagar, as coisas foram entrando nos eixos. Eu comecei a reconhecer as pequenas felicidades nas evoluçōes da Valentina, e fui conseguindo me conectar a ela. O medo foi sendo suavizado pelo carinho, pela segurança de que eu não estava só. Reconheci que eu precisava de ajuda, e me deixei ser ajudada, e foi assim que fui deixando o fundo do poço.
Uma vez eu li que estar em depressão é como morrer e continuar vivo, acho que essa é a melhor descrição da doença. O que agrava, no caso da depressāo pós-parto é que além de continuar vivo, você precisa cuidar de um serzinho que depende 100% de você, não dá para simplesmente se trancar num quarto e dormir até passar.
Hoje eu entendo o que se passou comigo: eu sofri a perda e o luto da Juliana que deixou de existir, que se foi junto com o parto. Hoje não me sinto mais culpada em assumir que não existe um dia sequer que não sinta falta da academia, do cinema e do happy hour.
Ao mesmo tempo, conheci e estou aprendendo a ser feliz sendo a Juliana, mãe da Valentina. Vivo hoje uma paixão pela minha filhote que ilumina meus dias com seu sorriso banguela e com a doçura do seu olhar.
Eu faço questão de contar o que passei, não sou a pessoa que diz que ser mãe é a melhor coisa do mundo porque ainda não atingi esse estágio. E honestamente, nem tenho grandes expectativas quanto a isso. Penso que ser mãe é bom, assim como ser solteira é bom e ser casada também é. Cada coisa no seu tempo.

Essa mês Valentina fez 9 meses, ja voltei a trabalhar e consegui voltar para academia. Sinto falta dela a cada minuto, penso nela em cada momento do meu dia, mas não nego a alegria de reencontrar mais um pedacinho da Juliana de antes. Afinal, eu continuo gostando muito dela e é ótimo pra matar um pouco da saudade.