Sou um jardim extemporâneo onde as memórias desabrocham de vez em quando, sem cerimônia e totalmente fora da estação. Tem dia que o sereno da saudade cai tão morno e perfumado sobre mim, que um beija-flor ávido por ração e descanso pousa nos meus ramos e fica ali, estudando a paisagem e se balançando ao sabor da brisa suave que os meus “ontens” ainda sopram.
Tem dia que a minha saudade floresce como uma primavera inopinada, e o mesmo beija-flor de outrora vem sobrevoar os meus canteiros, remexer as minhas histórias e sugar a seiva doce das recordações que eu guardo junto ao peito. Não há vento e nem chuva capaz de demovê-lo desse bater de asas ao meu redor. E assim, segue ele em sua busca indiscreta por segredos escondidos em meus estames, como pólen do tempo, bebericando doçuras entre pétalas descerradas em manhãs que ficaram para trás.
Então, eu o afugento: “Voe, beija-flor, voe! Voe e me permita inventar outro destino”!
E, quase obediente, ele voa para longe... Voa, mas sempre volta. Volta sempre que as sementes esquecidas ao chão germinam e trazem viço ao que parecia morto, e dão novas cores ao que desbotou com o passar do tempo. Ele volta sempre que uma flor nostálgica se abre dentro de mim e lança o seu perfume através dos desvãos da minha alma.
E, quando isso acontece, eis que, de flor em flor, com suavidade e leveza, aquele beija-flor vem zunir suas asas junto aos meus desejos e beijar os meus pensamentos distantes com a máxima ternura e delicadeza. Lembrança boa é assim: tem o cheiro, o gosto e a textura de quem foi embora para sempre, sem jamais se deixar ser esquecido.
Renée Venâncio
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